terça-feira, 8 de setembro de 2009

Velha infância


Foi um pedaço de bolo. Não um bolo qualquer, mas aquele feito pela minha avó que me trouxe lembranças de um passado bom.
O feriadão reuniu a família, primos, tios, enfim... uma reunião fraternal e encontro de gerações. Há tempo minha avó não fazia bolo, desde que meu avô faleceu isso já faz uns 14 anos, mas dessa vez a pedidos ela fez.

Todos aguardavam por esse bolo não só pelo sabor (que diga-se de passagem, nunca haverá nenhum igual pode ser o da melhor confeitaria), mas pelo que ele representava. Era a lembrança, o sabor da infância, da família reunida todos os feriados e finais de ano, do tempo em que roubar biscoitos quentes do forno na casa da vó era para nós (os netos da geração coca-cola) o maior desafio.

Nasci e passei boa parte da minha infância em uma cidade do interior. Tenho uma família muito grande e meu avô comandava todos nós como um professor guiando sua classe. Ele sempre fez questão da família unida, como todos moravam perto tínhamos que cumprir um ritual, os finais de semana eram na casa dos patriarcas. Minha avó sempre fez as melhores comidas e como sempre tinha “aquele” bolo, era a maior festa todos os netos na cozinha aguardando para raspar as panelas dos recheios, lamber as colheres e choramingar para ganhar raspas de massa quentinha do forno.

Nesse tempo o quintal da casa deles se tornava um mundo encantado, junto com meus primos nós podíamos ser reis, rainhas, príncipes ou plebeus, subir em árvores comer fruta do pé, tomar banho debaixo de um pingo d’água e no final da tarde todos retornávamos para o castelo ouvir nosso avô contar histórias e cantarolar com seu violão.

A cada pedaço que eu colocava na boca e saboreava lágrimas desciam pelo meu rosto, não de tristeza, mas de felicidade porque naquela cidadezinha do interior onde passei a minha infância é onde obtive todos os conhecimentos e oportunidades para sonhar.

Cada pedacinho do bolo lembrava a cumplicidade do meu avô ao roubar os biscoitos do forno e distribuir aos netos dizendo “é um para cada um”, das brigas de travesseiro, de pular na cama ate cansar, do pique esconde, cabra cega e claro dos intermináveis dias para o fim do ano quando nossa maior aventura começava. Armar um plano para roubar as bolachas caseiras da vovó confeitadas de açúcar (hum... delícia), e montar a árvore de natal.

E assim se passavam os anos, até o dia em que meu avô faleceu (no mês do natal) a família se dispersou cada um seguiu seu rumo, o bolo jamais foi feito, as bolachas não foram decoradas e as cantigas silenciadas. O tempo passou a família não é mais mesma, pois tem as novas gerações, disso ficou o vazio, a falta de alguém que fazia tudo acontecer.
Foi um pedaço de bolo. Uma simples fatia de bolo que me fez retornar à infância.
Keli Wolinger

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